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“Conheço um homem em Cristo que há catorze anos foi arrebatado até o terceiro céu. ” (2 Cor 12,2)

 

Disse São Paulo ter sido arrebatado ao terceiro céu. O que é isso!? Acaso há outros paraísos além daquele que aguardamos? Mas dado que o céu consiste na visão de Deus (AQUINO, ST, Ia-IIae, q.2, a.8), os outros céus seriam de outros deuses? Que alguém seja arrebatado ao céu, tal como Henoc ou Elias, vai bem compreendido; mas que seja arrebatado a um terceiro céu? Essa verdade é dificultosa para nossa mente, porém não poderia ser diferente. Diz-se assim porque três são os céus aos quais podemos subir: o céu encarnado, o céu interior e o céu derradeiro. E, uma vez que a Virgem é a única criatura puramente humana que subiu em corpo e alma aos céus, tomemo-la como exemplo para compreender a mercê divina reservada a nós.

O primeiro céu ao qual Maria foi elevada:  Cristo, céu encarnado. No alto da cruz, disse Jesus ao bom ladrão: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso.” (Lc 23,43b). Mas acaso não haveria Jesus de pregar na Mansão dos mortos naquele dia? E não haveria de ressuscitar apenas ao terceiro dia? Como então pôde dizer que “naquele mesmo dia” estaria o bom ladrão no Paraíso? Não só podia como devia. Ora, veja. Jesus é o céu de todo aquele que o encontra, por isso, onde quer que Ele esteja, ali estará o Paraíso. Por isso ele diz de si mesmo que o Reino dos céus já chegou (Lc 11,20). Reparem bem: não diz que o Reino haveria de chegar após sua morte, mas que já chegou, porque Jesus é o próprio céu. Desse modo, o céu infinito e inefável coube no finito e no dizível. Oh, ditoso céu encarnado!  E, desse céu, foi Maria quem mais fruiu na terra se deleitando com cada passo de Jesus. Se nos encantamos com três anos de pregação, que não terá Maria saboreado com mais de trinta anos de vida? E se uma mãe se alegra com cada passo de sua criança, quanto não ela teria se alegrado com uma criança divina? Eis o seu primeiro céu na terra!

O segundo céu ao qual Maria foi elevada: sua alma. Em várias ocasiões é dito ou demonstrado que ela guardava tudo em seu coração (Lc 2,19; 51; Jo 19,25). Mas quem estando diante do Deus feito homem conseguiria voltar-se para dentro vendo-o fora? De fato, qualquer um seria impelido a gozar de imagem tão maravilhosa tal como fez Maria irmã de Marta (Lc 10,38-42)!? Mas é exatamente por isso que se voltava para si. Pela visão podemos fruí-lo, mas é no coração que podemos gozá-lo. Oh, como é grande a diferença entre sentir e amar a Deus! Quantas vezes, tal como Santo Agostinho, buscamos fora Aquele que está dentro? (AGOSTINHO, 2013). Assim, para buscarmos a Deus, saímos quando, na verdade, deveríamos entrar. Eis porque Santa Elisabeth da Trindade disse que encontrou o céu na terra quando contemplou o Deus que nela habitava (SCIADINI, 2006). Dessa maneira, pela constante interiorização da oração, Maria não só subiu aos céus, mas aos céus dos céus porque foi céu contido noutro céu. Em outras palavras, tal como um abismo atrai outro abismo, (Sl 41, 8) isto é, o abismo da imensidão de Deus atrai a si o abismo da pequenez humana, como interpretou Santa Elisabeth; assim foi, para Maria, o céu encarnado contido no céu interior.

O terceiro céu ao qual Maria foi elevada: o derradeiro céu. Toda a Igreja aguarda ansiosamente o dia em que o Filho do Homem há de voltar para julgar os vivos e os mortos. Oh, que maravilha será o dia em que, tal como os pintinhos reunidos sob as asas da galinha (Mt 23,37), estaremos finalmente reunidos sob a sombra do Altíssimo (Sl 90,1)! Quem poderia se manter de pé e não se estremecer perante tão maravilha!? E para nos dar ainda mais certeza e vislumbre do que nos ocorrerá, o Senhor elevou Maria de corpo e alma. Mas essa elevação aos céus não é um chamado só dela. Ao contrário, é o chamado que o Senhor dá a todos nós. Oh, alma bendita, busca com todas as tuas forças também subir a esses céus. Busca pela adoração subir aos primeiros céus. Busca pela comunhão a entrada nos segundos céus. Enfim, busca imitar o exemplo da Virgem e ser-te-ão dados os terceiros céus. Que o exemplo, então, da Imaculada seja nossa força e motivação e que sua intercessão se estenda para que gozemos todos juntos as glórias eternas do Senhor!

Seminarista Wellington, 3° ano de Filosofia

Referências:

AGOSTINHO. Confissões. 24. ed. São Paulo: Paulus, 2013. 446, [8] p. (Espiritualidade).

AQUINO, Tomás de. Suma teológica. 2. ed. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1980.

BIBLIA; Português. 1964; Centro Bíblico de São Paulo. Bíblia sagrada. 116.ed. São Paulo: Ave Maria, 1998.

SCIADINI, Patrício. Memórias da Beata Elizabeth da Trindade: Carmelita Descalça (1880-1906). São Paulo, SP: LTr, 2006.

 

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