No dia 15 de novembro nos reunimos no Carmelo Nossa Senhora Aparecida, em Belo Horizonte, para encerrarmos o Ano da Misericórdia do Seminário Diocesano. Num primeiro momento Padre Francisco fez uma reflexão sobre a importância da confissão e como é importante nos prepararmos para isso (segue a formação a baixo). Ao término celebramos a Santa Missa e encerramos nossa manhã de espiritualidade com a oração da Hora Média com as monjas carmelitas.
1- DIGNIDADE DA CONSCIÊNCIA MORAL E O SACRAMENTO DA CONFISSÃO.
Em Misericordiae Vultus, bula de proclamação do Ano santo do Jubileu extraordinário da misericórdia, do papa Francisco, precisamente no número 17, se lê: “Não me cansarei jamais de insistir com os confessores para que sejam um verdadeiro sinal da misericórdia do Pai. Ser confessor não se improvisa. Tornamo-nos tal quando começamos, nós mesmos, por nos fazer penitentes em busca do perdão. Nunca esqueçamos que ser confessor significa participar da mesma missão de Jesus e ser sinal concreto da continuidade de um amor divino que perdoa e salva. Cada um de nós recebeu o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados; disto somos responsáveis. Nenhum de nós é senhor do sacramento, mas apenas servo fiel do perdão de Deus. Cada confessor deverá acolher os fiéis como o pai na parábola do filho pródigo: um pai que corre ao encontro do filho, apesar de lhe ter dissipado os bens. Os confessores são chamados a estreitar a si aquele filho arrependido que volta a casa e a exprimir a alegria por tê-lo reencontrado. Não nos cansemos de ir também ao encontro do outro filho, que ficou fora incapaz de se alegrar, para lhe explicar que o seu juízo severo é injusto e sem sentido diante da misericórdia do Pai que não tem limites. Não hão de fazer perguntas impertinentes, mas como o pai da parábola interromperão o discurso preparado pelo filho pródigo, porque saberão individuar, no coração de cada penitente, a invocação de ajuda e o pedido de perdão. Em suma, os confessores são chamados a ser sempre e por todo o lado, em cada situação e apesar de tudo, o sinal do primado da misericórdia”.
O discípulo de Cristo que, após o pecado, se aproxima, movido pelo espírito santo, do sacramento da penitência, deve, antes de tudo, voltar-se para Deus de todo o coração. Essa conversão interior supõe os quatro passos seguintes que constituem a estrutura do sacramento da confissão: Contrição, Confissão, Satisfação e Absolvição.
1.1- Contrição ou Exame de Consciência
Entre os atos do penitente ocupa o primeiro lugar a contrição, ou seja, “a dor da alma e a detestação do pecado cometido, com o propósito de não mais pecar”. Com efeito, “ao reino anunciado por Cristo só se pode chegar mediante a metanoia, isto é, através da íntima mudança do homem todo, pela qual ele começa a pensar, julgar e dispor a sua vida levado por aquela santidade e caridade de Deus, que foram manifestadas no últimos tempos” (Hb,1,2).
Muitos não sabem o que confessar. Estão insatisfeitos com os modelos habituais de confissão, em que lhes é recomendado o que devem analisar em si mesmos. Alguns enumeram os mandamentos e acusam-se de terem transgredido este ou aquele mandamento, mas para muitos isso parece superficial e esquemático demais.
O que deu bom resultado foi a organização do exame segundo três pontos de vista: 1- minha relação com Deus; 2- meu relacionamento comigo mesmo e, 3- meu relacionamento com o meu próximo.
O confessando pode perpassar esses três aspectos e contar como se sente em cada um deles, no que ele sente insatisfeito consigo mesmo e pelo que se sente culpado. Muitos dizem que não tem muita cosa a confessar. Sobretudo não tem nada que precisariam arrepender-se. Tampouco se trata de confessar apenas a culpa. Já é muita coisa quando refletimos sobre nossa vida e conseguimos falar dela. E certamente nisto existem aspectos com que não estamos muito satisfeitos. Naturalmente, muitas vezes não conseguimos decidir claramente se alguma coisa é pecado ou apenas fraqueza, desatenção, erros cotidianos. Isso também não é tão importante. Trata-se de pensar em nossa vida e, no mínimo, falar sobre o que nos deixa inquietos. Quando alguém descreve um conflito com o pai ou a mãe ou com um chefe ou colaborador, deve simplesmente contar como lida com isso, quais sentimentos afloram, como se comporta. Assim, torna-se claro na conversa, qual é a sua parte de culpa e o que ele pode modificar em si mesmo. Não faz muito sentido simplesmente contar o conflito ou solucioná-lo a partir de si mesmo, unilateralmente. A conversa pode mostrar o que o ajudaria mais. Talvez ele necessite de algum distanciamento interior. Em qualquer caso, deveria tornar-se claro, na conversa, que a culpa nunca é de um só, mas que sempre ambos estão envolvidos. E devemos desatar o nó deste envolvimento para ver o outro mais objetivamente.
Alguns chegam à conversa no confessionário com uma culpa concreta, como algo que justamente naquele momento lhes pesa muito, e se limitam a essa única coisa. Isso faz sentido, eles só confessam o que os aflige no momento. Querem realmente se empenhar na solução daquele problema. Quando narram a problemática, o sacerdote pode perguntar como se sentem, o que poderiam fazer de diferente, o que atribuem a si mesmos e o que desejam. Pode também perguntar-lhes se estão preparados para perdoar a si mesmos por essa culpa. É que não adianta muito o confessando apenas queixar-se e culpar-se mas não estar disposto a acreditar na misericórdia de Deus e a ser misericordioso consigo mesmo. As perguntas do confessor não devem basear-se nas curiosidades; devem ajudar o confessando a contar mais sobre si mesmo e, por meio da fala, ver com mais clareza onde reside o verdadeiro problema. Ao falar, o confessando torna seus sentimentos mais visíveis, e assim eles podem ser esclarecidos.
Como foi dito no início, um bom exame de consciência pode se apoiar sobre o seguinte:
1- Meu Relacionamento com Deus
No relacionamento com Deus podemos nos perguntar:
- Qual é o papel representado por Deus em minha vida? Posso contar com Ele? Procuro por ele? Ou simplesmente passo por Ele em minha vida sem notá-lo?
- Como inicio o meu dia? Como o encerro? Realizo rituais que me lembram a presença de Deus? Coloco-me de manhã sob a presença de Deus? Reservo algum tempo para rezar, para permanecer em silêncio, para meditar e ler?
- Minha relação com Deus tornou-se vazia? Quais são os anseios de minha alma?
- Apresento-me a Deus como realmente sou? Deus é efetivamente o objetivo da minha vida e a fonte da qual eu vivo?
Todas essas questões tratam, em primeiro lugar, não da questão da culpa, mas da qualidade do meu relacionamento. E a conversa sobre esse tema poderá tornar-se sensível para o modo como me fecho diante de Deus. Pois esse fechamento tem a ver com a culpa, mesmo se com isso não estou transgredindo nenhum mandamento. É meu coração que pergunta onde está o problema.
2- Meu Relacionamento Comigo Mesmo
No relacionamento comigo mesmo algumas perguntas podem ajudar muito:
- Como lido com minha própria pessoa? Será que eu mesmo vivo, ou são os outros que me fazem viver?
- Sou livre, interiormente, ou me faço dependente de pessoas, coisas e hábitos?
- Como são meus hábitos referentes à comida e à bebida?
- Lido responsavelmente com minha saúde? Faço alguma coisa em prol dela?
- Como são meus rituais cotidianos? Administro bem o meu dia ou simplesmente o vivo como ele vem?
- Julgo a mim mesmo? Rebaixo-me?
- Quais são meus pensamentos? Quais são minhas fantasias e sentimentos? De onde vem? Como lido com eles?
- Como lido com o meu corpo?
- Como lido com minha sexualidade?
- Prendo-me a sentimentos depressivos, mergulho em autopiedade?
- Puxo-me constantemente para baixo ao me queixar frequentemente?
Neste caso, vale lembrar que entre o eu real e o eu ideal há um caminho a ser percorrido. Trata-se de buscar todos os meios válidos para ir se construindo uma auto imagem positiva de si, sem se entregar a conformismos e mediocridades ou narcisismos paralisantes que vão sustentar sempre uma imagem irreal de si baseada no complexo de inferioridade ou de superioridade.
3- Meu Relacionamento com o Próximo
- Quanto ao relacionamento com meu próximo pode-se começar com aquilo que me pesa particularmente:
- Como vejo o conflito do meu ponto de vista?
- Como se sente o outro em relação a isto?
- Qual é a história precedente ao conflito?
- O outro me faz lembrar do quê?
- Por que é tão difícil para mim aceitá-lo?
- Onde ele me magoa?
- Qual é o ponto sensível em mim?
- Como magoei o outro?
- Trato meu semelhante com o devido cuidado?
- Seu bem estar é importante para mim, ou só me preocupo comigo mesmo?
Neste caso, trata-se de descrever o conflito sem logo culpar ou desculpar a si mesmo e ao outro. Na narrativa, pode tornar-se claro onde está minha parte da culpa e o que posso melhorar em mim. Quando reflito sobre meus relacionamentos com as outras pessoas, posso me perguntar de quem falo mais frequentemente, como falo dos outros, se dou atenção ou não a meus semelhantes, se estou constantemente julgando-os e condenando-os internamente, se me coloco acima deles.
1.2- Confissão dos Pecados
Do sacramento da penitência faz parte a confissão das culpas que procede do verdadeiro conhecimento de si mesmo diante de Deus e da contrição de pecados. Mas este exame de consciência e da acusação externa deve ser feito à luz da misericórdia de Deus. No entanto, a confissão exige do penitente a vontade de abrir o seu coração ao ministro de Deus; e da parte deste um julgamento espiritual pelo qual, agindo em nome de Cristo, pronuncia, em virtude do poder das chaves, a sentença de remissão ou da retenção dos pedaços.
1.3- A Satisfação
A verdadeira conversão se completa pela satisfação das culpas, pela mudança de vida e pela reparação do dano causado. As obras e a medida da satisfação devem adaptar-se a cada penitente para que cada um restaure a ordem que lesou e possa curar-se com o remédio adequado. É necessário, por conseguinte, que a satisfação imposta seja realmente remédio para o pecado e, de algum modo, renovação de vida. Assim, o penitente, “esquecendo o que passou”, (Fl 3,13), integra-se de novo no mistério de salvação lançando-se para frente.
1.4- Absolvição Sacramental
“Depois da confissão e da conversa com o confessando, o sacerdote dá a absolvição. Absolvição quer dizer dissolução, soltura, liberação. Em nome de Jesus, o sacerdote libera o confessando de sua culpa. Transmite-lhe o perdão de Deus. Para isso o rito prevê a imposição das mãos. Quando, como sacerdote, eu coloco as mãos sobre a cabeça do confessando, ele sabe fisicamente, que foi aceito por Deus de forma incondicional, que o amor de Deus também inclui a cura de sua culpa. O rito da absolvição ajuda o confessando a acreditar realmente no perdão de Deus. Jung sempre enfatizou que, em situações nas quais efetivamente se tornou culpada, a pessoa sente-se excluída da comunidade e cindida por dentro. Não consegue se libertar sozinha dessa cisão. E apenas uma indicação do perdão de Deus muitas vezes não é o bastante para que ela possa acreditar n’Ele. O rito, diz Jung, pode-nos ajudar a superar os obstáculos da alma que nos dificultam a crença no perdão de Deus. Em nosso inconsciente existem barreiras contra essa crença. Existem ideias arcaicas de que toda culpa deve ser expiada. O rito é necessário para dissolver essas imagens arcaicas em nosso inconsciente, pois ele comunica não só à nossa razão ou à nossa emoção, mas também à profundidade do nosso inconsciente, que fomos aceitos incondicionalmente por Deus e que não precisamos mais reapresentar nossa culpa a nós mesmos. O rito é suprapessoal, é mais do que um pedido pessoal do sacerdote. Nele o sacerdote tem acesso a o poder salutar das origens. Essa é a convicção de todas as religiões. Jung também se convenceu disso: “Por meio do rito preenche-se o aspecto coletivo e numinoso do momento presente, para além do seu puro significado pessoal.” A confissão encerra-se com uma despedida. A liturgia prevê a seguinte saudação: “O Senhor perdoou seus pecados. Vá em Paz”!
Quando conveniente, o sacerdote pode transmitir ao confessando, com uma saudação de paz, que dali em diante ele foi aceito por Deus e readmitido pela comunidade da Igreja. Considero realmente importante que o sacerdote transmita à pessoa a bênção divina de despedida e a anime a não esmorecer, mas a trilhar seus caminhos confiando na misericórdia de Deus. Nem tudo será bem-sucedido nesse caminho, mas ela poderá saber que sempre e em todos os lugares estará cercada pela presença salutar e amorosa de Deus.
Referências:
1- Celebração da Reconciliação. Anselm Grun. Ed.Loyola
2- Misericordiae Vultus (Papa Francisco)
3- Ritual do Sacramento de Penitência. Ed. Paulinas
4- Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros
5.Evangelii Gaudium (Papa Francisco)
6. A Misericórdia. Condição Fundamental do Evangelho e Chave da Vida Cristã. Ed.Loyola (Card.Walter Kasper)